AQUI ESTA UMA OBRA
QUE RETRATA A VERDADE DE QUE ESTAMOS Nubia Silveira A gestação do golpe militar de 1964 foi longa. Longuíssima. Durou quase 20 vezes mais do que os nove meses esperados pelo nascimento de uma criança. As raízes golpistas remontam a 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, em que os militares brasileiros lutaram ao lado dos norte-americanos na Itália contra o nazismo de Hitler e seus aliados. Os vitoriosos acabaram divididos entre capitalistas, liderados pelos norte-americanos, e socialistas, pela Rússia. O novo mundo e as relações com os militares estadunidenses influenciaram até mesmo o general Góes Monteiro, personagem do golpe de 1937, comandado por Getúlio Vargas, que permanecia no poder desde a Revolução de 1930. Do golpe de 1945 ao de 1964, houve três tentativas. A vitória dos golpistas se deu com o apoio da sociedade civil. Acostumados, desde a proclamação da República, em 1889, a intervir na política brasileira, os militares retornaram ao país decididos a depor Vargas e promover a redemocratização. Em 1º de novembro de 1944, Góes Monteiro já avisara a Getúlio: “Vim para acabar com o Estado Novo”. Mas, o golpe mesmo só se efetivaria quase um ano depois, em 29 de outubro de 1945. Pressionado pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, o presidente renunciou ao cargo, sendo substituído pelo presidente do STF, José Linhares. O presidente, segundo o escritor Lira Neto, no segundo volume de sua trilogia Getúlio, ironizou a ação dos golpistas: “Isso está mais parecido com uma ação de despejo que um golpe de Estado. Só falta aparecer o oficial de justiça”. As Forças Armadas brasileiras, que ajudaram a derrotar os simpatizantes do nazismo, entre os quais esteve Getúlio, no início da Guerra, com a vitória se alinharam ao capitalismo norte-americano contra o comunismo russo. O sentimento anticomunista marcou o governo seguinte, o do General Eurico Gaspar Dutra. Em maio de 1947, ele cassou o registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que voltara à legalidade em março de 1945. E, mais tarde, em janeiro de 1948, revogou os mandatos dos eleitos pela sigla, levando o então deputado e líder comunista Luiz Carlos Prestes para a clandestinidade. O panorama nacional vive primeiro as conseqüências da Segunda Guerra Mundial e depois, as da Guerra Fria, entre países do Ocidente, liderados pelos EUA, e do Oriente, pela Rússia. Os ex-aliados se olhavam com desconfiança. Desconfiança que militares, políticos, Igreja Católica e empresários repetiam internamente. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Carla Simone Rodeghero, em sua tese Memórias e Avaliações: Norte-americanos, Católicos e a Recepção do Anticomunismo Brasileiro entre 1945 e 1964, relembra a manifestação de católicos na Praça da Sé, em São Paulo, em 14 de julho de 1945, em que “o discurso católico anticomunista comparava o comunismo com o fascismo, derrotado na guerra”. As autoridades católicas advertiam os fiéis de que não deveriam se aproximar dos comunistas. O anticomunismo esteve presente também na tentativa de golpe de 1954, que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, na investida contra a posse de Juscelino Kubitschek, que tinha como vice o trabalhista João Goulart, e no levante contra a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Um memorando do FBI, já dos anos 1950, citado por Carla em sua tese, relaciona os diversos grupos anticomunistas que atuariam no Brasil, em especial em São Paulo: “a União de Resistência Nacional, o Partido Democrata Cristão, a polícia, a imprensa, os integralistas e grupos apoiados pela Igreja Católica”. Além desses, a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) e a Associação Comercial. As ações desses grupos se centrariam na produção de editoriais, distribuição de panfletos e publicação de anúncios na imprensa. Mais uma tentativa de golpe Os militares, apoiados na tese do anticomunismo, permaneciam atuantes na política brasileira. O ano de 1954 pode ser também considerado como um pré-golpe do ocorrido em 1964, porque naquela época já existiam os grupos que polarizariam a situação 10 anos depois, afirma o professor Enrique Serra Padrós, do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, da Ufrgs. “Estávamos, também, no apogeu da Guerra Fria e o golpe de 64 é muito marcado por estas questões internacionais”, ressalta o professor. Padrós lembra que, paralelamente, o governo getulista dos anos 1950 é fortemente pautado pelos movimentos populares. Os trabalhadores urbanos se organizam, e apoiam o governo e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). João Goulart, herdeiro político de Getúlio, ao comandar nacionalmente o PTB fortaleceu as bases sindicalistas. E ao assumir o Ministério do Trabalho chegou a ser acusado pela imprensa e por empresários de ser um “ministro dos trabalhadores” e não do Trabalho, ao que ele respondeu, segundo pesquisa feita pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas: “Essa confiança do proletariado na secretaria de Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo de tranquilidade (para os patrões) e nunca de alarme. Pretender-se-ia, talvez, que o operariado brasileiro, já tão desencantado, não acreditasse nos poderes constitucionais?” Disse mais: “Não passa de torpe intriga o boato de que sou contra o capitalismo. À frente do Ministério do Trabalho, estou pronto a estimular e aplaudir os capitalistas que fazem de sua força econômica um meio legítimo de produzir riquezas, dando sempre às suas iniciativas um sentido social, humano e patriótico.” Jango, no entanto, já era visto pelas elites como comunista, apesar de ser um dos homens mais ricos do Brasil. Além de contar com o apoio dos trabalhadores organizados, Vargas propunha, apesar da crise já evidente, uma política de desenvolvimento econômico nacionalista, com industrialização e a tentativa de fortalecer uma burguesia brasileira, que conseguisse levar o capitalismo a um crescimento nunca antes atingido. Padrós assegura que esta política leva a certa autonomia em relação à política norte-americana, “numa época complicada, de Guerra Fria”. Ao lado do Brasil, a Argentina e a Guatemala buscam se distanciar dos Estados Unidos. Não há sintonia entre os três países latino-americanos e os EUA, principalmente a partir da guerra da Coreia (1950-1953), com intervenção de norte-americanos e russos. Além disso, esses três países contam com uma classe trabalhadora organizada, que questiona, e com burguesias nacionais sem ligação com o grande capital e com as empresas multinacionais. Esse quadro político, econômico e social leva a gestão de Getúlio a ser combatida pelas classes conservadoras nacionais, pelo capital internacional e pelas multinacionais. O professor Padrós lembra que os trabalhadores exigem benefícios que o governo não pode dar, devido às dificuldades econômicas que enfrenta. E sofre, então, um esgotamento de seu projeto. Ao mesmo tempo em que não pode atender os trabalhadores, é criticado pelos setores conservadores, como a ala mais à direita do Partido Social Democrático (PSD), criado pelo próprio Getúlio, e a União Democrática Nacional (UDN). “Aqui temos toda a combustão que levará à tentativa de golpe pelos militares, sofrida por Getúlio, em 1954”, diz Padrós. O presidente responde à ameaça se suicidando. “Com o suicídio, ele adia, afasta, o sucesso do golpe, mas as contradições vão perdurar. Ganha-se um tempo, mas em realidade há um agravamento de todo o quadro. A bipolarização entre um setor conservador e um nacionalista reformista, ligado ao PTB, perdura durante o governo JK, apesar de o partido já fazer concessão ao capital estrangeiro e às multinacionais, mas ainda se mantém vinculado aos setores populares, e essa bipolarização vai explodir no governo João Goulart”. Em Ausências e Presenças da Resistência na Ditadura, publicado no primeiro volume da coleção A Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul – História e Memória – 1964-1985, o deputado Raul Pont (PT) concorda com o historiador: “a morte deu uma sobrevida ao trabalhismo, ao projeto de um capitalismo nacional, autônomo, com forte participação popular em sua sustentação eleitoral”. O golpe no golpe As Forças Armadas, principalmente o Exército, não desistem de intervir na política nacional, a fim de afastar os elementos que consideram comunistas, como João Goulart, eleito vice-presidente da República, na chapa de JK, numa aliança entre o PSD e o PTB. Os militares não tinham esquecido a atuação de Jango como ministro do Trabalho. Nessa função ele propôs e conseguiu aumentar o salário mínimo em 100%, de 1.200 para 2.400 cruzeiros, apesar da gritaria dos empresários e também de 82 coronéis e tenentes-coronéis, que assinaram um memorial, no qual afirmavam que o aumento elevaria o custo de vida e agravaria a existência dos quadros do Exército que recebiam salários mais baixos, tornando difícil o recrutamento de oficiais. A proposta, aprovada por Vargas, se por um lado valeu a Jango a perda do cargo de ministro, por outro resultou no apoio dos trabalhadores. A dupla JK-JG sofreu ataques de inimigos e fogo amigo dos apoiadores. Pesquisa do CPDOC-FGV relata dois fatos: o manifesto eleitoral do PCB, apoiando os candidatos, agravou a oposição de militares, e o discurso do general Canrobert Pereira da Costa, no Clube Militar, no dia em que se lembrava um ano da morte do major Rubens Vaz, com um tiro dirigido a Carlos Lacerda, adversário de Getúlio Vargas. Ministro da Guerra, o general Henrique Teixeira Lott se disse preocupado com o fato de JK e Jango aceitarem o apoio dos comunistas. Tensionando ainda mais a situação, Carlos Lacerda publicou na Tribuna da Imprensa, uma carta que teria sido enviada pelo deputado argentino Antonio Jesús Brandi a Jango, em que relatava entendimentos secretos entre o candidato a vice-presidente e o presidente da Argentina, Juan Domingo Perón. O texto revelava um suposto acordo para implantação de uma “república sindicalista” no Brasil, acusação que voltaria em 1964, e o contrabando de armas para o país. O episódio, conhecido por Carta Brandi, resultou na abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM), ordenado por Lott. A sindicância provou que a carta havia sido forjada. Como os votos eram dados separadamente aos candidatos a presidente e vice, Juscelino obteve 3 milhões de sufrágios e Jango, 3,6 milhões, nas eleições de 3 de outubro de 1955. Divulgados os resultados, a UDN deu início a uma luta na Justiça pela anulação do pleito. Os udenistas alegavam que os ganhadores não tinham tido maioria absoluta dos votos, que receberam votos dos comunistas, considerados ilegítimos por eles, e denunciavam atos de corrupção. Carlos Lacerda, que viria a ser um dos principais apoiadores do golpe de 1964, passou a defender a intervenção dos militares. Os udenistas contavam com o apoio dos ministros da Marinha, Edmundo Jordão Amorim do Vale, e da Aeronáutica, Eduardo Gomes. A situação se agravou em 1º de novembro de 1955 com o discurso do coronel Jurandir de Bizarria Namede, no Clube Militar, no Rio de Janeiro, incitando os militares a impedir a posse dos eleitos. O então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, decidiu puni-lo por infringir os regulamentos militares. No entanto, para que a punição fosse cumprida, Namede, que estava ligado à Escola Superior de Guerra (ESG) e , portanto, à presidência da República, deveria retornar ao ministério da Guerra. O presidente Café Filho não permitiu que isso acontecesse. Mas, logo depois o presidente adoeceu e foi substituído pelo presidente da Câmara, Carlos Luz, que, apesar de ser do PSD, simpatizava com as teses da UDN. Lott, que decidira pedir demissão, acabou, com o apoio do comandante do I Exército, Odílio Denis, afastando Carlos Luz da presidência, em 11 de novembro. No mesmo dia Luz foi substituído pelo senador Nereu Ramos, vice-presidente do Senado. Onze dias depois, o Congresso vetou a volta de Café Filho. Nereu ficou na presidência até a posse de JK e JG, em 31 de janeiro de 1956 e o golpe dado por Lott nos golpistas saiu vitorioso. Padrós destaca que, nessa tentativa de golpe, as Forças Armadas não estavam coesas, o mesmo acontecendo em 1961, mas não em 1964. “Alguns militares estavam mais propícios à política nacionalista e outros mais atraídos pelas classes dominantes, a favor da abertura ao capital estrangeiro”. O professor alerta que os militares aprendem com as derrotas sofridas em 1954, 1955 e, principalmente, em 1961. “Nestes momentos, perdem porque estão perigosamente divididos”. Resistência vitoriosa O quarto golpe, a contar desde o de 1945, será tentado em 1961, quando o presidente Jânio Quadros renuncia à presidência e os militares se rebelam contra a posse do vice-presidente João Goulart, que retornava de uma viagem à China. Os golpistas não esperavam pela resistência, surgida no Rio Grande do Sul, sob a liderança do governador Leonel Brizola. Ao comparar os últimos governos, Raul Pont afirma em seu texto que se com Getúlio, “a ideia era criar e fortalecer a Eletrobras, a Petrobras, a Ferrobras e muitos outros ‘brases’, e um Estado interventor e investidor, no governo Juscelino isso não aconteceu. O desenvolvimento foi marcado por uma profunda penetração no país de capital internacional”. Com Jânio, lembra o deputado, “configuram-se alguns ensaios de maior autonomia, independência, de uma política externa soberana, mas não é um governo popular, de esquerda. É um governo muito contraditório, conflitivo e que cria, permanentemente, uma situação de falta de respaldo parlamentar”. Padrós lembra que na política internacional se vivia outro momento: o da revolução cubana e o do medo dos Estados Unidos de que houvesse uma cubanização latino-americana. Portanto, a decisão do presidente Jânio de condecorar Ernesto Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana que tirou do poder o ditador Fulgêncio Batista, foi vista como provocação. “Os militares não aceitam isso de maneira alguma”, reforça o professor. A política externa de Jânio manda sinais de que está se distanciando dos Estados Unidos e, talvez, se aproximando dos países socialistas, ao contrário do que desejam os militares brasileiros. Muitos deles foram alunos da Escola das Américas, no Panamá, e, também, estudaram nos EUA. Se não voltaram americanizados, pelo menos defendiam um regime nos moldes capitalistas. No plano interno, o vice representa – para os conservadores – a esquerda e o perigo comunista, principalmente pelas relações que mantinha com os trabalhadores e por reconhecer suas reivindicações. “Jango sempre foi visto como o homem que deveria ser controlado”, afirma Padrós. Assim, quando acontece a renúncia, os ministros militares se levantam contra o vice, que havia sido enviado numa missão diplomática à China. Para Pont, “a volta de João Goulart significava a retomada, de forma até mais radical, do projeto nacionalista que estava interrompido”. Ou a implantação de uma república sindicalista e até mesmo comunista, na visão dos adversários do vice-presidente.
Os ministros militares – Vice-Almirante Sylvio Heck, Ministro da Marinha,
Marechal Odílio Denis, No Rio Grande do Sul, o governador Brizola mobiliza o povo e a Brigada Militar e conquista o III Exército para o movimento da Legalidade, enquanto Jango retorna ao Brasil em várias escalas internacionais, dando tempo a uma solução negociada. O retorno foi aceito, mas sob o regime parlamentarista. Mesmo com a negociação, os militares continuaram ameaçando derrubar o avião que levava Jango a Brasília. Segundo Padrós, 1961 pode ser visto de uma perspectiva dupla: “houve a derrota dos golpistas, mas houve a derrota dos setores democráticos, porque a saída foi negociada”. De 1961 a 1964, os militares se preparam para evitar a divisão das Forças Armadas. Nesses três anos, conseguem “mexer peças internas importantes”, de acordo com o professor. De 1954 a 1964, há também, ressalta Padrós, maior afirmação da doutrina de Segurança Nacional, nascida nos Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria. A doutrina, que já existia no Brasil desde os anos 1930, mas em um ambiente diferente, foi fundamental para a fundação da Escola Superior de Guerra. “Há um processo de doutrinação nos quartéis para que os militares protejam valores e patrimônios dos setores dominantes, como a propriedade privada”, afirma o professor. Originária da doutrina, nasce a Lei de Segurança Nacional que pretende, em nome da defesa da soberania do país, esmagar, entre os militares, qualquer foco de esquerda, vinculado a partidos comunistas, como o PCB. A ideia é construir alianças com a burguesia para evitar o surgimento de um regime socialista e a contaminação das Forças Armadas. “A Lei de Segurança Nacional justifica a atuação desproporcional às ameaças reais e concretas”. Para mostrar como a doutrina já estava arraigada entre alguns militares, Padrós relembra um episódio, segundo ele pouco valorizado pelos brasileiros: “no apogeu da Legalidade, em que centenas de civis se encontravam concentrados em frente ao Palácio Piratini, em defesa da democracia, os ministros militares ordenaram que partissem da Base Aérea de Canoas aviões carregados de bombas que deveriam ser jogadas sobre a resistência, segundo eles, subversiva e comunista, instalada na Praça da Matriz. O fato só não correu porque a suboficialidade impediu que os aviões levantassem voo”. O professor ressalta que esta mesma decisão foi tomada, efetivamente, pelos militares argentinos, 10 anos antes. Eles bombardearam a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, produzindo centenas de mortos e feridos, numa tentativa frustrada de golpe. Em Santiago do Chile aconteceu o mesmo quase 10 anos depois. “Acho importante resgatar esse episódio. Ele mostra o que alguns militares de alto poder já estão determinados a fazer, como bombardear uma população indefesa, em nome do seu ideário, de seus valores, de sua doutrina. E, evidentemente, depois de 1964, não têm mais limites para nada”. Lavagem cerebral com recursos norte-americanos Durante o governo João Goulart, as forças civis – empresários, religiosos, intelectuais – passam a contar com um grande aliado: o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon. Os dólares norte-americanos bancam a campanha de vários políticos nas eleições de 1962 e ajudam institutos como o Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) a fazer uma verdadeira lavagem cerebral na população, por meio de propaganda em jornais, rádios, televisão e cinema. As duas instituições – afirma Padrós – eram “o caixa dois de empresas nacionais, estrangeiras e da própria CIA para financiar toda uma política destinada a fomentar uma espécie de paranoia e gerar um cenário de instabilidade”.
Juremir Machado da Silva em 1964 – Golpe Midiático-Civil-Militar, diz que o IBAD, fundado em 1959, chegou a formar uma cadeia de mais de 100 estações de rádio, pela qual transmitiam “os pontos de vista da elite”, em linguagem popular. O IPES, fundado em 1961, por um grupo de empresários, editou, em 1963, “280 mil exemplares de livros de propaganda e 2 milhões e 500 mil panfletos de intoxicação ideológica”. O IBAD interveio nas eleições de 1962, por meio da sua subsidiária, a Ação Democrática Popular (Adep), financiando opositores de Jango. Ajudou com recursos financeiros organizações antigovernamentais e movimentos sindicais contrários ao Comando Geral dos Trabalhadores: Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), Frente da Juventude Democrática, Ação Democrática Parlamentar (ADP), Movimento Sindical Democrático (MSD) e Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres (Redetral). Também tentou criar um núcleo de trabalhadores rurais, em Pernambuco, em oposição às Ligas Camponesas, de Francisco Julião. O IBAD e a Adep acabaram sendo fechados em dezembro de 1963, sob a acusação de “exercer atividade ilícita e contrária à segurança do Estado e da coletividade”, depois da realização de uma CPI, cujo relator foi o deputado Rubens Paiva (PTB), um dos mortos pela ditadura. Para atingir seus objetivos, o IPES, que contava em seus quadros, entre outros, com o general Golbery do Couto e Silva, um dos artífices da ditadura, promovia cursos, seminários, conferências públicas e enviava artigos para os jornais, sempre defendendo a livre iniciativa e o que consideravam as vantagens da democracia. Para doutrinar o povo, chegou a produzir 14 filmes, exibidos em todo o país. Investiu também na juventude, oferecendo bolsas de estudos nos Estados Unidos. Tanto o conteúdo jornalístico quanto os anúncios tinham a única missão de criar no povo o sentimento de oposição ao governo João Goulart, clamando por um golpe. O trabalho “intelectual”, desenvolvido pelo IBAD e pelo IPES, contava com a aprovação da Igreja Católica, que temia o comunismo, por se identificar com o ateísmo, e apoia os golpistas justamente quando a Igreja começa a se tornar mais progressista com o Concílio Vaticano II, promovido pelo papa João XXIII. A Igreja corrobora as ações do movimento de direita Tradição, Família e Propriedade (TFP) e promove, logo após o comício da Central do Brasil, em 13 de março, grandes Marchas da Família com Deus pela Liberdade. A finalidade era demonstrar desagrado com as reformas de base anunciadas por Jango no famoso comício. As mulheres foram presença marcante nessas marchas, cooptadas pela Igreja e pelos Institutos. Interferência norte-americana Documentos e gravações revelados pelo documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, provam que os norte-americanos interferiram na política nacional, investindo 5 milhões de dólares nas campanhas de candidatos nas eleições de 1962, e conspirando com os maiores adversários de Jango. Entre eles estão os governadores Carlos Lacerda, do então Estado da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Carvalho Pinto, de São Paulo. O embaixador norte-americano, Lincoln Gordon, estava convicto de que Goulart levaria o Brasil para o comunismo e que, portanto, os Estados Unidos deveriam bloquear suas ações. Gordon convence os governos John Kennedy e Lyndon B. Johnson a investir no golpe, sob a alegação de que as reformas de base, propostas por Jango, eram contrárias aos interesses dos Estados Unidos. Para apoiar os golpistas, é montada a Operação Brother Sam, que trouxe para a costa brasileira um porta-aviões, quatro navios torpedeiros, dois navios escola e uma frota de petroleiros, segundo documentos obtidos por Tavares. Em 1963, os Estados Unidos montaram um Plano de Contingência para a derrubada de Jango. O historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj), afirma, num vídeo postado na Internet, que esse Plano constava de duas partes: para apoiar o golpe, os norte-americanos precisariam ter uma desculpa e, portanto, o governador de um estado importante deveria se declarar em estado de beligerância com o governo central, sendo socorrido pelos EUA. Essa etapa foi cumprida, quando o governador Magalhães Pinto autorizou o início do golpe e inclusive nomeou uma espécie de ministério. O Plano de Contingência estabelecia também a remessa de armas para o país. Foi enviado muito mais: a frota da Operação Brother Sam, que segundo Fico, trazia também gás lacrimogêneo, comprovando a intenção de desembarcar tropas. O dia que durou 21 anos fala de um terceiro ponto do Plano: o presidente da Câmara de Deputados deveria assumir a presidência para dar o ar de legalidade ao golpe, o que realmente aconteceu. Todos – militares brasileiros e governo dos Estados Unidos – esperavam uma grande reação do governo Goulart ao golpe, o que não aconteceu.
O pré-golpe no Rio Grande do Sul Depois da resistência liderada por Brizola, em 1961, o PTB perde o governo gaúcho para Ildo Meneghetti, o candidato que, diz a professora Claudia Wasserman, “representava as forças conservadoras no estado, capitaneadas pelos partidos da União Democrática Nacional (UDN), o Partido Libertador (PL) e o Partido Social Democrático (PSD)”. No artigo O golpe de 1964: Rio grande do Sul, “celeiro” do Brasil, publicado no primeiro volume de A Ditadura e a Segurança Nacional, ela afirma, ainda, que o desfecho da crise de 1961 “foi praticamente transferido para os resultados eleitorais nos estados, em 1962”, em que os candidatos antigoverno foram financiados pelos Estados Unidos. O professor Diorge Konrad, da Universidade Federal de Santa Maria, aponta como uma das consequências da eleição de Meneghetti a colocação da Brigada Militar, que resistira ao golpe,em 1961, ao lado dos golpistas, em 1964. “A ação política de Meneghetti pré-1964 foi decisiva, apesar do receio que se repetisse a resistência de 1961”, afirma o professor. O ex-governador Leonel Brizola, que fora eleito deputado federal pelo estado da Guanabara, sentido que a oposição a Jango se acirrava, criou, em agosto de 1963, o que ficou conhecido como Grupo dos 11, inspirado na formação de um time de futebol. Brizola em organizar a população para mais um movimento de resistência. O publicitário Sergio Gonzalez, que participou de um dos grupos, dá o seu depoimento no texto Grupos dos Onze: lembranças que contam a verdade histórica, publicado em A Ditadura de Segurança Nacional. Ele conta: “Nosso trabalho consistia em pesquisar a situação social das periferias de Porto Alegre, detectando os problemas sociais e formando um quadro real das carências das populações pobres, suas necessidades e aspirações”. O trabalho de conscientização sobre a necessidade de pressionar o Congresso para aprovação das reformas de base, era feito sempre nos fins de semana, na zona rural de Porto Alegre. A partir de 31 de março, muitos foram perseguidos, presos e torturados. Na Assembleia gaúcha, as forças opositoras – PSD, UDN, PDC, PL e PRP, unidos na Ação Democrática Popular, que elegeu Meneghetti – apresentam o discurso da defesa da democracia contra o comunismo. As críticas a Goulart aumentaram em 1963, quando da realização do plebiscito , que determinou a volta do presidencialismo. Meneghetti, que tramava contra Jango com Adhemar, Magalhães e Lacerda, contava com o apoio da Igreja Católica, cujo cardeal de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, em 1961 declarara que “seria capaz de sentar em frente ao palácio se houvesse o ataque” dos aviões da FAB. Já nos anos seguintes, criticava as propostas de reformas, ligando-as ao “comunismo materialista e ateu”. Dom Vicente usava todos os espaços de que dispunha, como o programaA Voz do Pastor, para expor suas críticas. Padrós afirma que o cardeal inspirou a criação da Ação Democrática Feminina (ADF), católica e conservadora, financiada pelo IPES. Uma seção do Instituto no RS, o Ipesul, foi fundada em março de 1962, em Porto Alegre. O Ipesul teve como seu primeiro presidente Álvaro Coelho Borges, que também dirigia a Federasul e a Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), demonstrando o relacionamento dos empresários com a entidade. Konrad cita uma terceira força antigovernista no Estado: a então Federação das Associações Rurais do Rio Grande do Sul (Farsul) que, em 1962, realiza em Santa Maria seu congresso estadual, no qual defende uma reforma agrária totalmente diferente da proposta por Jango no rol das reformas de base. Os produtores rurais do Rio Grande do Sul eram contra a divisão de terras, defendiam a colonização de áreas ociosas e, no caso de desapropriações, o pagamento deveria ser feito previamente e em dinheiro, como determinava a Constituição. Konrad lembra que o general Olímpio Mourão Filho comandava a 3ª Divisão de Infantaria em Santa Maria, sendo o maior articulador do golpe do centro do Estado para a fronteira oeste. Mourão se reuniu com o produtor rural e professor Saint Pastous, presidente da Farsul, em janeiro de 1962, realizando a primeira reunião civil-militar, para definir as ações que deporiam Goulart. Ao lado da Farsul, apoiada pelo jornal Correio do Povo, propriedade de um ruralista, encontravam-se a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e a então chamada Federação das Associações Comerciais (Federasul), defensoras da economia de livre comércio. Mourão continuou conspirando com empresários paulistas e cariocas até dar início ao golpe, na madrugada de 31 de março de 1964, partindo de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, à frente do 12º e do 11º Regimentos de Infantaria. “Nosso maior erro foi a inocência” O ex-deputado estadual e federal Ney Ortiz Borges, 89 anos, viveu o período do pré-golpe como líder do PTB na Câmara Federal. O gaúcho afirma que jamais acreditou na possibilidade da queda de João Goulart, apesar de testemunhar as idas e vindas de Carlos Lacerda à embaixada dos Estados Unidos, em Brasília. Nem a entrevista do udenista ao jornal Los Angeles Times, afirmando que os militares tramavam a deposição do presidente, foi capaz de fazer os governistas acreditarem no golpe. “A gente tinha medo, mas não acreditava que iria acontecer. A gente não esperava aquilo. Nosso maior erro foi a inocência. Nós acreditávamos que se isso acontecesse, o povo se revoltaria”. “A maioria do PTB e do PCB – afirma o ex-deputado – queria o que Jango pregava em benefício dos pobres”. E defende: “O Jango não era comunista. Ele queria mudanças política, econômica, sociais e eleitorais”. O ex-deputado faz questão de contar que tem uma cópia do projeto das reformas assinado por João Goulart, que lhe foi entregue pelo próprio presidente. Uma relíquia, guardada até hoje. Ney Ortiz Borges recorda que estava na tribuna da Câmara, quando aconteceu o golpe. Um deputado oposicionista – não informa qual – lhe pediu um aparte e lhe disse que saísse da tribuna e da Câmara, mas não pela porta da frente, pois seria preso. Ele, então, foi até a embaixada da Iugoslávia pedir asilo. Ali ficou seis meses. Viveu exilado em vários países: Iugoslávia, França, Inglaterra, Alemanha e Portugal. Retornou ao Brasil em 1976, três anos antes da anistia. Não sofreu represálias. Voltou a atuar politicamente, principalmente, quando Brizola regressou ao país e na campanha pelo registro do antigo PTB, que acabou nas mãos de Ivete Vargas. “Perdemos a sigla e criamos o PDT”. 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