Os Pretensos Donos do Mundo

EUA se articulam para ocupar fronteira Brasil-Argentina

por Luciana Sanchez

Publicado no Jornal Tribuna da Imprensa em 13 de setembro de 1999.

Os campos de treinamento oferecidos aos americanos pela Argentina, na província de Misione, a 1.300 Km de Buenos Aires - dentro de uma área coberta de selva -, mais uma vez servem de alerta, a despeito dos motivos alegados pelos Estados Unidos para se estabelecerem ao longo da fronteira com o Brasil. "Isso deve servir para que fiquemos atentos a qualquer evolução que ali possa ocorrer. Se um vizinho resolve abrir determinados bens que devem ser inalienáveis, o problema não é nosso. Mas a partir do momento que isso possa constituir uma preocupação para a segurança de nosso País, devemos começar a nos preocupar", analisa o vice-presidente e pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), Coronel Amerino Raposo.

Para ele, a Argentina, por antecipação, já aderiu ao jogo que os países hegemônicos estão desenvolvendo, que é ampliar o limite de atuação operacional da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para todo o mundo. "Quando foram ao Golfo Pérsico e aos Bálcãs, eles já saíram de sua órbita de atuação, à revelia do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas)."

A oferta argentina de 10 mil hectares de seu território, próximo a fronteira do Brasil, com pistas de pouso para aviões ainda não foi respondida pelo governo de Washington. No entanto, acrescenta para a possibilidade dos EUA criarem uma força multilateral para intervir na Colômbia e frear a guerrilha no país. "Essas erupções americanas político-estratégicas ou até estratégico-militares, de aparentes campos de treinamento de forças para combate à guerrilha, ao narcotráfico ou qualquer outro pretexto usado é soberania que unidades políticas vão perdendo, pensando estar lucrando. Na verdade, estão afundando seu próprio orgulho nacional. Mas acredito que a Argentina, que tem seu orgulho nacional enraizado, acorde desta "balela".
Os americanos vão entrar na Amazônia, pois ela é vital para o mundo. A própria criação do Ministério da Defesa, comandado por um civil (Elcio Álvares), foi uma imposição americana". A subdivisão do Brasil já começa a ser defendida em academias americanas, como Harvard. Um de seus intelectuais Juan Enriquez, defende a tese de desmembramento dos gigantes e fim da soberania nacional, dizendo que quanto mais globalizado se tornar o mundo, menos traumático para os nacionalistas a separação de seus Estados. Se a Amazônia brasileira constitui 56,4% do território nacional, ao dividí-la o Brasil seria totalmente desmembrado. O pesquisador do Cebres, coronel Amerino Raposo, se exalta ao rebater a tese do intelectual de Harvard. "Desde as missões, as pesquisas na Amazônia existem, mascaradas através da evangelização dos índios. Não é por acaso, o interesse mundial de se criar o estado ianomâmi, onde se concentra 96% da reserva de titânio do mundo, minério fundamental para o próximo século". E acrescenta: "Os EUA não querem apenas o mundo, querem o Cosmos. A visão deles é planetária", analisa ele em relação ao interesse na reserva de titânio, usado na construção de foguetes espaciais.

Soberania

A professora Lydia Garner, PHd, brasileira radicada há 30 anos nos EUA, integrante do Departamento de História da Sowthwest Texas University, visita o Cebres uma vez por ano. Em 1996 ela já chamava atenção para o fato da Amazônia ser foco de interesse internacional desde a época dos descobrimentos, mas que a soberania brasileira sobre ela, que sempre foi re conhecida, poderia mudar a qualquer momento. "Talvez a natureza desta soberania venha a ser modificada em vista dos argumentos que estão sendo desenvolvidos em fóruns internacionais onde alguns aspectos da Nova Ordem Mundial
estão sendo articulados e definidos". No Caderno de Estudos Estratégicos, editado pelo Cebres este ano, a professora faz
mais um alerta. "O governo brasileiro deve desenvolver uma diplomacia agressiva ao invés de defensiva, que não admita nem o mais leve desrespeito à sua soberania, e adotá-la para a Amazônia, a fim de reafirmar às demais nações o seu direito perfeito sobre a região".
De acordo com a professora, a Nova Ordem Mundial da qual se falava há dois anos foi subvertida, cedendo espaço para um ambiente global ainda instável. A seu ver, o instinto de auto-preservação se contapõe a consolidação de um poder hegemônico e abre discussão quanto a sobrevivência da instituição do Estado nacional. "O Brasil, País estratégico no próximo milênio, por ser detentor de riquezas naturais, como a água potável, deve se tornar um dos atores principais desta discussão' prevê Lydia Garner. A professora adverte ainda que, como observador das experiências que ocorrem em outros países, o Brasil deve se conscientizar que sua vez está chegando. "Se as nações não têm amigos mas interesses, é hora do Brasil analisar e construir sua própria estratégia para enfrentar a globalização atual e a evolução da jurisprudência de soberania nacional, que ameaça metade de seu território, constituído pela maior floresta do mundo: a Amazônia".

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