Eis como os
artigos marcados com os asteristicos se provam neste e outros eventos
Rio
de Janeiro - 21/08/2002 - Artigos - Número 195 Jornal
da AEPE Ass.Eng. Petrobras
A
VERDADE SOBRE O ACORDO COM O FMI
Bernardo
Kucinski - Jornalista
|
Nas
primeiras manchetes venceu a mentira: o acordo com o FMI recebeu o
tratamento triunfalista: “Mercado comemora o acordo” foi a manchete do “Estadão”.
Os outros jornais seguiram o mesmo tom, algo como “Brasil conseguiu o melhor
acordo de toda a história com o FMI.
Mas os dólares continuaram fugindo e neste final de semana “Veja”
registrou perplexa: “Analistas
quebravam a cabeça para entender por que o anúncio do empréstimo de 30 bilhões
de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI) não teve o esperado e
imediato efeito apaziguador sobre os mercados.”
Muito simples: não
teve porque a idéia era bem outra. Este acordo foi uma das maiores tramóias
da história econômica do Brasil: assumimos dessa vez mais US$ 30 bilhões de
dívidas, só para dar tempo aos bancos estrangeiros tirarem seu dinheiro do
Brasil. Só agora o verdadeiro significado desse acordo está
aparecendo nos jornais.
Bancos deram o golpe com a ajuda de O´Neill
Tudo aconteceu na noite da terça-feira,
dia 6 de agosto, quando o secretário do Tesouro norte-americano, Paul O´Neill,
e seu adjunto, John Taylor, reuniram-se em São Paulo com os pesos pesados da
banca internacional. O´Neill havia dito dias antes que não se deveria
emprestar dinheiro do contribuinte americano ao Brasil porque “ia tudo parar
na Suíça”. Sua declaração jogou lenha na fogueira estimulando ainda mais
a saída de dólares do Brasil.
Pois bem, esse O´Neill, na reunião
fechada com os banqueiros, concordou não apenas em emprestar mais dinheiro ao
Brasil, mas em emprestar mais do que Malan vinha pedindo: US$ 30 bilhões,
e não apenas US$ 20 bilhões. Por que tanta generosidade?
A notícia fora de foco
O encontro só foi noticiado dois dias depois , mesmo assim por poucos jornais
e de modo fragmentado e incorreto. Na quinta feira, dia 8, a “Gazeta
Mercantil” dizia a partir de “relatos de quem esteve com O´Neill e
Taylor”, que “o encaixe natural das peças do jogo deve resultar numa
volta natural das linhas de crédito internacional ao Brasil.”
Tudo cascata. O objetivo do novo empréstimo foi exatamente o oposto: o de
permitir aos bancos irem tirando seu rico dinheirinho, pois faziam o prognóstico
pessimista de que o Brasil iria quebrar mais cedo ou mais tarde, e teria de
haver uma renegociação da dívida externa. E o que é pior, essa renegociação
poderia ter do outro lado da mesa gente com Mantega ou Mercadante, e não os
amigos Malan e Fraga. Por isso, o anúncio dos novos recursos do FMI não
deteve a fuga de dólares e os bancos não reabriram suas linhas de crédito.
A informação nas entrelinhas
No domingo, dia 11, surgiram alguns relatos divergentes do triunfalismo
oficial, mas ainda nas entrelinhas. Numa entrevista à “Folha”, Kenneth
Mawwell, economista inglês de renome, dizia que o Brasil caminhava quase
certamente para uma crise de pagamentos do tipo que exigiria uma reestruturação
geral. E que o acordo com o FMI só adiou esse dia. Maxwell responsabilizou
FHC pela crise e comparou-o a Alfonsin. O convite de FHC aos
candidatos confirma essa percepção: o medo de um final a la Alfonsin é o
motivo principal do convite – nisso concorda a mídia deste início de
semana.
Nova revelação sobre o boicote ao Brasil
Na quinta, dia 15, “Valor” trouxe declarações do representante do banco
inglês Standard Chartered, Lauro Vallejo, de que foi o próprio Banco Central
da Inglaterra que recomendou aos bancos ingleses reduzirem suas linhas de crédito
no Brasil. O vice-presidente do Bank of Boston, Alex Zornig, praticamente
confirmou essa informação, recomendando o governo a contatar os bancos
centrais dos países desenvolvidos e o BIS, para pedir que relaxem as exigências
nas operações com o Brasil. Neste domingo, o “Estadão” trouxe esta
frase de O´Neill, já posterior ao anúncio do acordo: “Não considero que
seja uma boa idéia que os governos peçam às empresas para fazer algo que não
esteja dentro de seus interesses econômicos.”
Moratória, a palavra proibida
Neste final de semana, foi proferida abertamente a palavra proibida, mas pela
imprensa internacional. Com exceção de “Valor”, que mesmo assim foi
relativamente discreto, a nossa mídia escondeu o assunto em espaços menores.
A “Folha” nem deu. O “Estadão” deu num pé de página. O fato é que
o “Financial Times” e “The Economist”, dois veículos que dão o tom
à mídia em questões de economia internacional., anunciaram que o Brasil
muito provavelmente vai quebrar. Isso explicaria a determinação dos bancos
de retirarem seu dinheiro do Brasil e a ordem dos bancos centrais para que
reduzam sua exposição. O “Financial Times” disse que para o Brasil “O
jogo acabou”. “The Economist” falou na probabilidade de uma moratória e
até deu a receita de quanto o Brasil economizaria com uma renegociação da dívida
a juros mais baixos.
O mesmo golpe dos tempos coloniais
“Carta Capital” desta semana
restabelece o verdadeiro sentido do acordo: “Os reais beneficiários do
programa de US$ 30 bilhões ficam em Nova York e Washington”. A revista fez
as contas do volume de empréstimos que teriam que ser renovados, pelo menos
US$ 32 bilhões este ano e US$ 24 bilhões no ano que vem, e diz: “O que o
FMI oferece é para o Brasil trocar dívidas com bancos privados por dívidas
com o FMI.”
Este acordo com o FMI só é comparável ao do acordo da Coroa portuguesa com
o governo britânico. Dom João VI fugiu de Portugal acossado pelas tropas de
Napoleão. Em pagamento do apoio britânico na fuga, os portugueses
transferiram para sua colônia chamada Brasil a responsabilidade pela dívida
que tinham com os banqueiros ingleses. Salvou-se a Coroa portuguesa e
salvaram-se os bancos ingleses. Os brasileiros ficaram com a dívida, como
agora.
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