Melhora no câmbio. Para quem?

Adriano Benayon * – 05.05.2003

Em 2003 o real valorizou-se  20% em relação ao dólar, embora, a  R$ 2,90, esteja longe de recuperar-se da desvalorização de mais de 50% em 2002. Mas a nova administração colonial alardeia como grandes realizações a queda do dólar e a da taxa de risco na captação de recursos externos. Para tanto, corta as despesas não financeiras e faz escassear reais na economia com intensidade nunca antes vista. A quem isso serve? 

As depreciações do real costumam ser atribuídas, com algum fundamento, à especulação. Porém, a quase ninguém ocorre associar o mesmo motivo às apreciações do real, como a presente. O prejuízo que o Brasil sofre, há anos, com os juros, aumentou grandemente em 2002, quando os  títulos da dívida interna indexados ao dólar renderam, em média, 80% aa. Ora, para que as aplicações em títulos federais - o maior negócio do Brasil -  rendam ganhos fabulosos a seus aproveitadores, a taxa de câmbio têm de variar nos dois sentidos, e não só no da alta do dólar. Assim, por um tempo,  os concentradores têm aplicado  em títulos não indexados. O percentual dos dolarizados, que em 2002 chegara a 45% do total,  baixou para 34,7% em março. Dada a liberalidade do Banco Central no uso dos recursos públicos, os títulos baseados na taxa SELIC oferecem rendimento de, no mínimo, 26,5% ao ano. Com o dólar mais baixo, os manipuladores comprarão títulos indexados, de forma a repetir a festa feita em 2002.

A administração está empenhada tanto em mostrar serviço aos donos do “mercado” e ao FMI, como em impressionar o público local, a fim de fazer aprovar as “reformas”. Para ambos objetivos, a parcial recuperação do real constitui trunfo de monta, conseguido mediante o uso draconiano dos apertos fiscal e monetário. Os dirigentes situacionistas nem se tocam com os danos que ambos arrochos causam à economia e ao emprego.

Eis o que foi feito para escassear a oferta de reais no 1º trimestre de 2003. O setor público apresentou superávit primário recorde, de R$ 22,835 bilhões, i.e., bárbaros 6,24% do Produto Interno Bruto (PIB). A realidade é mais cruel, pois a maior parte dos juros não sendo contabilizada como tal, o “orçamento primário” - do qual são excluídos os juros -  teria superávit ainda mais espantoso. Esse, o não confessado, foi  de 11% do PIB em 2002 (os dados oficiais registram 3,91%). No orçamento real, oficialmente dito nominal, houve déficit de 12% do PIB, já que os encargos financeiros equivaleram a 23% do PIB.

 

No 1º trimestre de 2003, a dívida pública aumentou R$ 43,7 bilhões. Somada essa quantia aos R$ 22,8 bilhões do superávit primário oficial, resultam R$ 66,5 bilhões, o que faz supor juros  iguais a 18% do PIB. O aperto fiscal só permite gastar em juros. A moeda nacional não circula na economia. Fica quase toda no giro da dívida pública, cujos beneficiários reaplicam boa parte do que auferem na compra de mais títulos. Além disso, o  aperto monetário foi reforçado pela elevação, em 15%, dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central, implicando redução de 45% no capital disponível para empréstimos. Quase já não havia crédito privado às atividades produtivas, e a taxas proibitivas, como 150% aa. Que dizer às  empresas nacionais tornadas inadimplentes? E aos  desempregados, cujo número agora cresce como nunca antes?

 

A supressão do crédito e da moeda nacional foi de tal ordem,  que houve apreciação cambial, mesmo sem expressiva variação na entrada líquida de capitais. Esta foi de US$ 4 bilhões no 1º trimestre de 2003, inferior em US$ 1 bilhão à do 1º de 2002. Essa queda foi, porém, compensada pela redução do déficit de transações correntes com o exterior.   Os capitais especulativos de curto prazo cresceram de US$ 148 milhões para US$ 1,96 bilhão, e os investimentos diretos caíram de US$ 4,7 bilhões no 1º trimestre de 2002 para US$ 1,98 bilhão no 1º de 2003.

 

Nada indica que o real continue a se valorizar por muito tempo. O déficit de transações  voltará a ter expressão com o câmbio em patamar próximo ao atual.  Ademais, obrigações externas a vencer em 2003, de US$ 30 bilhões, combinadas com a retração dos investimentos estrangeiros, colocam em cheque, para o 2º semestre, a pretensa credibilidade externa, arranjada por meio dos arrochos fiscal e monetário. De fato, o setor privado não tem conseguido rolar senão menos de metade das dívidas. O que está havendo é estatização da dívida externa,  com o Tesouro Nacional a sacar recursos no âmbito do acordo com o FMI, e voltando (fim de abril) a fazer emissões de títulos públicos no exterior. 

 

São marcas típicas do modelo econômico dependente: 1) instabilidade: sucessão de crises externas e artificiais recuperações da “credibilidade”; 2) constante declínio qualitativo e quantitativo da economia; 3) o corolário político: reinado cada vez mais absoluto das raposas sobre o galinheiro.

 

* - Adriano Benayon, Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo,   Alemanha.  
      
Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”       benayon@solar.com.br.  

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