Artigo copiado da Tribuna da Imprensa /2002-RJ

O poder oculto do banqueiro McCloy

NOVA YORK - Uma alentada biografia publicada em 1992 pelo jornalista Kai Bird nunca chegou a ser "best-seller", apesar de ter entrado na lista de recomendações do "New York Times". O biografado era John J. McCloy, então considerado (pela revista "Harper's") "o mais influente cidadão privado dos Estados Unidos". Amigo e conselheiro de nove presidentes, McCloy tinha a vocação das sombras - agia nos bastidores, puxando os cordões de personagens do primeiro plano.

O título do livro ("The Chairman - John J. McCloy: The Making of the American Establishment") era uma alusão a frases irônicas de pelo menos dois intelectuais (John Kenneth Galbraith e Richard Rovere) que identificavam McCloy como uma espécie de "chairman of the board" do próprio Establishment americano. Como se fosse ele, durante décadas, o Establishment em pessoa.

Kai Bird recordou ali, entre outras coisas, que em fevereiro de 1964, semanas antes do golpe militar que depôs no Brasil o presidente João Goulart, McCloy estivera em nosso país, com a missão específica de assegurar junto ao governo brasileiro certos interesses (concessões para a exploração de minas) da Hanna Corporation, que tinha George Humphrey, ex-secretário do Tesouro de Eisenhower, como Chief Executive Officer.

A Hanna no Brasil em 1964

McCloy veio às escondidas e buscou um encontro secreto com Goulart. Na conversa, só teria entrado realmente no assunto depois de satisfazer a curiosidade de nosso presidente em torno da investigação da Comissão Warren (assassinato de Kennedy), que o visitante integrava. Segundo o livro, McCloy obteve o que queria com Goulart, mas não antes de sua presença ser descoberta pela imprensa de esquerda.

Apesar do acerto entre McCloy e Goulart, diz Bird, a Hanna àquela altura já estava a mil na conspiração com os generais brasileiros, atuando em coordenação com a estação local da CIA, com quem o homem da Hanna brasileira, Jack W. Buford, mantinha-se em permanente contato - graças, mais uma vez, ao mesmo McCloy, que em Washington acionara em favor da empresa a direção da agência de espionagem.

Em "The Chairman", Kai Bird chega a afirmar que a Hanna ajudou mais os generais brasileiros do que a própria operação Brother Sam do Pentágono - a ponto, por exemplo, de emprestar seus caminhões para o deslocamento das tropas rebeldes de Minas Gerais, comandadas pelos generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, rumo à fronteira do Estado do Rio, para a tomada do poder.

Se fosse mais longe, o livro teria constatado que após o golpe a Hanna continuou a assessorar o comando militar golpista em Minas, patrocinando uma caça às bruxas na qual pelo menos três jornalistas que se destacavam na denúncia das atividades da mineradora americana - Guy de Almeida, Edmur Fonseca e Vânia Santayana - foram imediatamente presos e condenados pela Justiça militar. Réus de um mesmo processo de subversão, embora só tivessem em comum as críticas à Hanna.

Nos mais altos cargos

O autor apoiou-se em vasta bibliografia, além de documentos liberados com base na Lei de Liberdade de Informação. Em relação ao episódio brasileiro, citou ainda pesquisas anteriores dos historiadores John W. Foster Dulles e Jan Black - em especial um trabalho ainda inédito do primeiro, no qual é contada a história da Hanna no Brasil. Até dois anos antes do golpe de 1964, Dulles Jr. morava em Minas Gerais, como diretor da Hanna, mas numa entrevista
que me concedeu em 1977 disse que a empresa não se envolvia na política brasileira.

O livro de Bird (800 páginas, lançado a 30 dólares o exemplar) foi recomendado com entusiasmo (entre as "editor's choices") pelo "Times", que chamou na capa do "Book Review" de 12 de abril de 1992 para sua bem fundamentada resenha. O próprio Kai Bird - jornalista talentoso, filho de diplomata - explicou-me em 1991 ter passado 10 anos estudando esse
personagem, que exercia fascínio especial sobre ele.

Não era para menos. McCloy foi advogado atuante da Wall Street, presidente do Council on Foreign Relations, da Fundação Rockefeller, da Fundação Ford, do Chase Manhattan Bank, do Banco Mundial. Secretário Assistente da Guerra no governo Roosevelt, tornou-se virtual ditador da Alemanha ocupada durante os três anos seguintes ao fim da guerra. Embora republicano, trabalhou mais para presidentes democratas - e é citado por Wright Mills como parte íntima da "Elite do Poder".

Bomba-A e mísseis de Cuba

Além de ter convivido com Roosevelt, Truman, Churchill, De Gaulle, Marshall, Patton e outras estrelas da Segunda Guerra Mundial, opinando em decisões como a das bombas atômicas contra o Japão (preferia uma "demonstração", para que o Japão se rendesse sem o uso da arma), a da criação do tribunal de Nuremberg e a que reduziu as penas de ex-nazistas como o industrial Alfred Krupp, McCloy manteve-se influente junto aos sete presidentes que se seguiram.

Eisenhower o incluiu no ministério informal, Kennedy convocou-o para ajudar a enfrentar a crise dos mísseis de Cuba, Johnson buscou através dele o respaldo do Establishment para a escalada no Vietnã, Carter rendeu-se ao lobby orquestrado por ele para obrigar o governo a receber o deposto xá Reza Pahlevi (motivo da invasão da embaixada dos EUA em Teeerã e do cativeiro dos 53 reféns americanos).

Pouco antes de morrer - em 1988, aos 93 anos de idade - McCloy parecia preocupado com a biografia não autorizada de Kai Bird, que encarava como jornalista de esquerda. Tinha razões para se preocupar, pois os tempos já não eram de reverência aos velhos "sábios". Tanto que em 1986 fora hostilizado no Congresso ao depor sobre uma das decisões mais controvertidas de sua carreira - o internamento de japoneses-americanos em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

ArgemiroFerreira@hotmail.com