O Brasil e o dogma intocável

Celso Brant

Em entrevista ao jornal inglês Financial Times, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que, "independentemente de quem vencer as eleições, o Brasil tem condições de manter as conquistas que nós fizemos, essas mudanças são irreversíveis".

E acrescentou que as suas diferenças com o PT "são muito mais em relação à disputa do poder do que sobre ideologia". Para quem, durante todo o seu governo, sempre considerou a oposição incompetente e sem projeto político, essa mudança súbita de posição merece uma atenção especial.

Que quis dizer FHC, qual a sua verdadeira intenção? Evidentemente, não foi por acaso que escolheu o "Financial Times", porta-voz do mercado financeiro internacional, para dar o seu recado. A sua observação está ligada ao que aconteceu recentemente na Argentina, em que o processo democrático sofreu rude golpe.

Naquele país, tal como está acontecendo atualmente no Brasil, a aplicação do "Consenso de Washington", que é um instrumento do imperialismo dos EUA, levou o país ao caos, com alto índice de desemprego, enfraquecimento da atividade econômica, desenfreada corrupção e destruição da soberania nacional.

Diante dessa situação na eleição para presidente da República, a oposição levou grande vantagem, elegendo Fernando de La Rúa, imaginando que ele mandaria às favas o "Consenso de Washington". O que aconteceu, porém, é que, poucos meses depois de empossado, o novo presidente entregou o poder a Domingo Cavallo, que com ele havia concorrido às eleições e conquistara, apenas 8% dos votos.

Além disso, na qualidade de ministro de Menem, havia sido o responsável pelo plano econômico que, na prática, tinha destruído a economia argentina. Quando FHC diz, na entrevista, que as suas diferenças com o PT "são muito mais com relação à disputa do poder do que sobre ideologia", na verdade quer significar que pode haver alternância no poder, o que não pode existir é mudança na política econômica.

Isto significa que, se Lula for eleito, pouco depois de empossado deverá chamar Pedro Malan para ser ministro da Fazenda e Armínio Fraga para ocupar a presidência do Banco Central. Aliás, essa tese já tem sido defendida, por antecipação, por Cristovam Buarque, que chegou a ser cogitado para candidato a presidente do PT.

Aliás, não há nenhuma novidade em nada disso. O economista John Williamson, um dos criadores do "Consenso de Washington", chegou a escrever. "Para que haja possibilidade de democracia, seria de bom alvitre que a política econômica não fizesse parte do debate eleitoral". Uma estranha democracia, em que o interesse dos investidores se colocaria acima da soberania do povo, limitando o seu poder de contribuir para a melhoria de uma ordem injusta.

Nesse sentido, o "Consenso de Washington" deve ser considerado não como um plano econômico, mas como um dogma intocável. "Os investidores "- observa o economista Edgar Beninger, consultor do Banco Mundial - "devem ter certeza de que não haverá alternância na política econômica".

A experiência da última eleição argentina deve servir de advertência para o povo brasileiro. Embora o povo da Argentina estivesse contra o ignominioso projeto neoliberal, nenhum projeto alternativo chegou, sequer, a ser discutido.

Não se troca, em política, um projeto político, por pior que seja, por nenhum projeto. O projeto alternativo para o Brasil tem de se basear na conquista da soberania e na mobilização do povo brasileiro para a plena realização de seu destino. Isto significa, fundamentalmente, na substituição da poupança externa (FMI) pela poupança interna, nacional, base de qualquer desenvolvimento verdadeiro.

Artigo publicado na Tribuna da Imprensa-RJ

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